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Não precisamos de ir para Lisboa para consumir cultura
Abr
2022
Imprensa

Fonte:

Hip Hop Rádio

Falando de novas vozes, já há muito em diálogo, chegamos a Unidigrazz, um coletivo oriundo de Mem-martins, Sintra constituído por Diogo “Gazella” AWK, OnunTrigueiros, Rappepa Bedju Tempu, Sepher AWK e Tristany.

Ao entrar nesta parte do museu somos de imediato recebidos pelas bandeiras de Tristany, que contam com a letra de “Hinu Digra” escrita nas mesmas, enquanto se ouve a música a ecoar na entrada, o mote que serviu de perfeita introdução ao que se avizinhava, com uma das mais imponentes peças de toda a exposição, a meu ver, logo ao virar da esquina, pela autoria de ROD (Rodrigo Ribeiro Saturnino): uma faixa cor-de-rosa choque pendurada, com a frase “Não foi descobrimento, foi matança” pintada com tinta preta.

Passando por obras de vários ilustres artistas como Filipa Bossuet, Herberto Smith, Obey SKTR e Petra Preta, chegamos ao apelidado “cubico” de Unidigrazz, uma reinvenção de uma sala de estar, recheada de arte estática ou em movimento, convidando qualquer um a entrar.

Depois das cordiais apresentações de cada membro do grupo, dando ênfase ao facto de faltar um membro do coletivo, Rappepa Bedju Tempu, procedemos a uma conversa para tentar aprender um pouco mais sobre este coletivo, a sua arte e quais os seus principais objetivos, assim como significado que trazem para esta exposição.

Falem-nos um pouco sobre como surgiu este coletivo.

[Tristany] Já nos conhecemos direta ou indiretamente desde o básico/secundário e da convivência da rua. Mas intencionalmente, antes da Unidigrazz, há muitos outros movimentos que antecedem como a Awake?, os Monte Real, houve uma tentativa também inicial onde por exemplo os Instinto26 faziam parte, o ari.you.ok , ou seja, haviam várias cenas que antecederam o coletivo Unidigrazz. E na construção, em casa do Diogo Carvalho, do início do trabalho visual para o Meia Riba Kalxa, o Diogo, eu, o Nuno e o Rapepaz começámos com uma ideia bastante descontraída e relaxada de estarmos ali unidos a fazer uma coisa digra. E a defender essa estética. Pronto, isto é um bocadinho, todos nós temos conceções diferentes do que é a Unidigrazz e de como começou, em meados de 2018.

E surgiu então de uma necessidade de fazerem algo digra, como estavam a dizer, de passar essa mensagem.

[Diogo “Gazella” Carvalho] Surgiu mesmo da necessidade de criar. Da necessidade também de dar identidade a algo que já estava a ser construído a algum tempo, então saiu esse nome, de digras unidos, Unidigrazz, e conseguimos com esse nome dar também uma identidade forte ao nosso grupo e depois mais tarde o Sepher também entrou para o coletivo.

E reúnem as mais variadas formas de arte. Têm as artes plásticas, a música, o graffiti, o cinema também. É certamente uma mais-valia, serem um único coletivo que dispõe de talento em todas essas áreas.

[Diogo “Gazella” Carvalho] Sim, acho sempre que quando há mais escolha é sempre melhor e como nós temos este leque assim tão grande de artes também nos vamos entreajudando, um bom exemplo foi o projeto Meia Riba Kalxa. Vamo-nos entreajudando e também conseguindo bem representar e dar rosto (melhor), por termos assim tanto leque. Melhor a quem não tem ou a quem se calhar não consegue chegar a certos sítios, não por falta de capacidades, mas por falta de oportunidade.

E sentem que podem dar essa oportunidade, através da vossa própria curadoria, por também terem ligações mais próximas com outros artistas destes meios?

[Sepher AWK] É mostrar se calhar que é possível, mostrar às pessoas desse meio de onde nós viemos e vivemos e criamos e mostramos, mostrar que é possível alcançar estes objetivos assim, tás a perceber? E conseguir fazer as coisas acontecer mesmo de alguma maneira, vá de certa maneira, começar de um patamar diferente, mas mesmo assim conseguimos. Aquela consequência de todo o trabalho que já consumimos e nos influenciou, queremos poder conseguir ser essas mesmas pessoas e ajudar nessa evolução e desconstrução de bué assuntos da sociedade também e conseguirmos esse lugar.

Estavam a falar de influências, têm algumas influências para o coletivo e para os projetos que desenvolvem?

[Onun Trigueiros] A nossa influência acaba por ser todo o nosso meio que nos rodeia, todos os nossos amigos, a nossa família, os nossos passados em termos artísticos e coletivos e sim, acho que, de certa forma, a maior parte da inspiração que tiramos é daí. Depois também pegamos nessas pessoas e transformamos para os nossos trabalhos de forma mais subjetiva, não exatamente tão relatada como é, mas sim, damos o nosso toque e é isso.

Embora seja uma exposição muito extensa, é possível identificar que um dos pontos em comum parece ser explorar a ideia de que a poesia está nas ruas. Este é um statment com o qual concordam? Que é da rua que vêm talvez as formas mais autênticas de arte e dessa expressão cultural?

[Tristany] Imagina, eu acho que o nosso convite aqui foi muito até ir de encontro a esse mindset, porque facilmente se romantiza a rua ou o subúrbio ou a periferia como um lugar propício para as pessoas criarem ou começarem a ter narrativas boas para se criar. Aquilo que nós estamos a tentar fazer é através do cubico, de dentro, fazer surgir essa narrativa, porque nós não vivemos na rua, felizmente (risos), mas infelizmente o nosso único espaço, onde nós podemos estar, é a rua, e mesmo assim muitas vezes esse espaço é negado e oprimido. E também é importante dizer que a Unidigrazz quer-se digra, mas no sentido mais sensível, no sentido mais de afeto, de amor, porque inicialmente, ou se calhar o primeiro impacto, de tudo aquilo que é digra, é sempre visto como muscular ou reivindicativo, marginal, ao mesmo tempo exótico, né? Distante. Então o que nós queremos é, acho que uma das nossas maiores narrativas é que digra seja um…

[Sepher AWK] Que não tenha medo de sentir.

Que não tenha medo de mostrar afeto.

[Tristany] Exato, uma pessoa mais sensível.

Essa pode ser vista como uma abordagem bastante fresca para trazerem para esta exposição, embora já se encontre bastante presente na tua (Tristany) música e nas tuas letras, por exemplo. Sempre foi algo que tentaste expor na tua arte, que é okay sentir e é importante ter esse lado mais soft, digamos assim.

[Tristany] Exato, eu não diria fresca, porque acho que sempre existiu. Sempre foi sentido, acho que é por aí.

[Diogo “Gazella” Carvalho] Como dizes, até se ouve nas letras, sempre existiu, acho é que estava mais oprimida, se calhar.

Sentem que agora há a possibilidade de lhe dar uma visibilidade maior?

[Tristany] Sim, mas não é agora que ela existe, e não é certamente por causa de nós ou disto, porque toda a gente sente amor e é algo que se deve mostrar.

[Diogo “Gazella” Carvalho] Tu vês pelas letras de rap lá de tempos mais atrás, em várias periferias, que já há essa necessidade também de deixar sentir, deixar que o digra voe.

[Tristany] Exato. E que não tenha medo disso tudo.

E qual é a mensagem que esperam que fique desta exposição?

[Onun Trigueiros] A mensagem que acho que nós todos pretendemos é… queremos fazer isto chegar ao máximo de pessoas possível e dar a conhecer um pouco a nossa história, quem somos e pronto, basicamente é isso, mostrar às pessoas e acho que às crianças também, principalmente às crianças, que também podem fazer coisas noutros sítios sem ser na rua. Se calhar nós crescemos e não tínhamos assim tantos artistas nos quais nos podíamos inspirar, mas hoje em dia nós queremos sair cada vez mais e dar esse…fazer sentir às crianças, passar a essas pessoas que é possível e que também podem sonhar com isso, que é possível. O objetivo é esse.

Por onde é que passa ainda, na vossa opinião, o diálogo de ser necessária mais representatividade neste ramo artístico? O que ajudaria a trazer mais iniciativas como estas, mais exposições como esta, a sítios com mais visibilidade?

[Tristany] Termos acesso. E isso deixa de ser uma questão.

[Diogo“Gazella” Carvalho] Reivindicar, como tinha dito na apresentação, um lugar que já é nosso, ‘tás a ver, mas que muitas vezes não é dado e revindicá-lo. Nós temos que ter acesso, temos que ter espaço também para conseguir mostrar, para conseguir criar e ter, se calhar, também uma maneira de viver diferente do que normalmente é mostrado, ou que deixam mostrar só, que a linha de Sintra e todas as periferias não seja só um sítio para ir dormir, mas também um sítio para criar, para fazer acontecer, não só arte, mas todo o movimento, que deixem as pessoas também de lá sonharem e terem outra maneira de vida.

[Sepher AWK] Seja o sonho que for. Mostrar às pessoas que é possível sonhar.

[Tristany] E que não precisamos de ir para Lisboa para consumir cultura.

[Sepher AWK] Existe bué cultura na linha de Sintra. Na periferia. Bué. Bué lugares que ninguém conhece, então acho que é mostrar esse lado.

Pode ser que agora passem a conhecer também, e a mostrar um maior interesse.

[Sepher AWK] Sim, sim. Exatamente.

Não precisamos de ir para Lisboa para consumir cultura

UNIDIGRAZZ, 2023

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